Low Profiles e a tendência da desconexão. Um apelo à normalidade.
“Tanto mais unido com Deus, quanto mais apartado dos homens.” Padre Antônio Vieira
É um tanto cômico, depois de um bom tempo desconectada, publicar uma newsletter para falar justamente de desconexão. Mas já havia escrito este artigo meses atrás e só não publiquei por insegurança. O enviei para alguns colegas lerem e, após o retorno positivo deles decidi que iria publicá-lo quando achasse pertinente. Dito isso, sejam bem-vindos de volta. Espero manter a frequência das publicações daqui em diante.
Low Profiles e a tendência da desconexão. Um apelo à normalidade.
Há aproximadamente um ano atrás eu compartilhei no Instagram minhas regras de uso do celular para manter minha sanidade mental.
Depois de anos trabalhando como social media, me vi hiperconectada e viciada em timelines a ponto de passar 10h do meu dia mexendo no celular.
Fiz o curso do Padre Paulo Ricardo e percebi que se tratava de um vício real, não era hipérbole, e para tratar e regular o meu sistema dopaminérgico fiz algumas resoluções e cumpri à risca.
Foi bom enquanto durou. Bastou surgir a oportunidade de voltar a produzir conteúdos no meu perfil para eu perder o foco novamente.
Antes havia me decidido a não gastar mais tempo postando reflexões efêmeras e me comprometi a escrever um texto mais aprofundado por semana. Tudo o que posto nos stories desaparece em 24h e eu só tenho trabalho desperdiçado. Até consegui construir um bom documento com mais de cem páginas, mas ainda está longe de ser o que eu havia planejado inicialmente. Tenho muitos artigos em mente que precisam ser passados para o papel, muitas reflexões ainda não registradas que correm o risco de se perderem nos pensamentos acelerados do dia a dia.
Meu marido sempre me alertou para os problemas da exposição nas redes sociais. Logo quando nos conhecemos, ele me enviou um texto do Gustavo Corção que mudou minha percepção a respeito da discrição para sempre.
“O homem moderno constrói sua vida, sua cidade, sua civilização com esse critério estridente e multicolor da vanglória. A vida interior, a vida da alma e a vida da família entre quatro paredes vai perdendo dia a dia a sua organicidade, e vai cedendo terreno à vida devastadora das ruas. Faz-se hoje tudo em público. Desde o sorvete lambido nas calçadas de Copacabana pelo indivíduo de blusão azul, que anda com um ar bonzão e felizardo de quem acabou de se aliviar, até as mais extremadas manifestações amorosas dos casais curados dos antigos preconceitos pela moderna psiquiatria, tudo hoje tende a tornar-se público e ostensivo.”
“O homem moderno precisa efetivamente recuperar o gosto da invisibilidade e da interioridade. Se há na vida das cidades uma atividade pública, e se há na vida da Igreja um culto visível e público, é preciso que a essas coisas corresponda uma componente de vida interior, na família e na alma.”
Ainda que eu concordasse com ele, temos temperamentos opostos. Sou expansiva, gosto de me comunicar e de compartilhar minhas ideias com outras pessoas.
As vezes em que tentei ficar reclusa e atuar apenas nos bastidores funcionaram bem por um período (até porque nós precisamos de tempos de meditação e introspecção), mas depois eu sentia necessidade de contar aos quatro ventos tudo o que havia feito em meu período de desconexão.
Cheguei a publicar no Instagram uma reflexão sobre isso. Como posso ficar absolutamente reclusa se preciso conviver com pessoas? Precisamos de comunidades, de amigas com os mesmos valores com quem possamos conversar sobre assuntos relevantes e alimentarmos nossa alma, cultivarmos nosso espírito, promover o florescimento da cultura.
Tive a graça de encontrar amigas por conta da internet e participo de comunidades virtuais que são excelentes e valiosas para mim. Os antigos encontros da Curadoria de Vida promovidos pela Inês Carrières e hoje o clube do livro Well Read Mom. Mas também tenho amigas com quem me encontro presencialmente e isso faz muita diferença.
Desconexão e comunidades presenciais
Há alguns anos eu cantei a bola que as comunidades presenciais logo ganhariam força. De onde tirei essa ideia? Em 2019 li o livro “O Inverno da nossa Desconexão” e fiquei impressionada com a experiência daquela família. Antes mesmo da existência do Instagram, tiveram grande impacto positivo nos seis meses em que ficaram sem usar tecnologia alguma.
À época eu não me dei conta do quão viciados nas redes sociais estávamos e como o crescimento rápido de autoridades em diversos assuntos poderia ser prejudicial.
Hoje, depois de presenciar a “ascensão e queda” de tantos influencers do Instagram, tive a certeza de que, junto das comunidades presenciais, a tendência do Low Profile também viria à tona.
A superexposição de algumas personalidades, o “reality show instagramico”, teve efeitos diversos que eu não pretendo esmiuçar aqui. O que importa é que agora, depois que muitos se decepcionaram com a vida real de seus ídolos, ou agora que alguns se deram conta dos efeitos nocivos do Instagram para suas vidas, haverá uma debandada dessa rede social.
Aposto que alguns primeiro tentarão recuperar o Instagram como era antes: fotos bonitas, frases e poemas. Um toque artístico, leveza e despretensão. O Instagram virou um grande Big Brother com “classificados” e o público, que estava ali para puro entretenimento gratuito, passou a perder o interesse. (E é por esse motivo que eu insisto tanto que o branded content de verdade funciona. Regra dos 80/20: 80% deve ser conteúdo relevante, não comercial e apenas 20% deve ser focado em vendas.)
Outra aposta é que, cada vez mais, as pessoas migrem para blogs, newsletters e para o Youtube com conteúdos mais densos, extensos e aprofundados. Uma grande tendência é o mercado editorial para novos escritores. Inclusive o Diogo Fontana, dono da Danúbio, já lançou uma empresa especializada em publicar livros originais e que ainda presta serviço de ghost writer.
Ganhando dinheiro com a desconexão e o low profile
A verdade é que há anos há uma inda e vinda dessa tendência de desconexão. Cheguei a pensar que estava batido, ultrapassado, mas notei alguns perfis de grandes influencers americanas que estabeleceram períodos de férias em que não produzirão conteúdo nas redes sociais, nem sequer responderão mensagens privadas.
É uma espécie de tentativa de voltar à normalidade e à privacidade. Também recebi alguns anúncios (imagens abaixo) de empresárias ensinando a vender sem aparecer, lançar sem promover lançamentos para evitar o esgotamento/burnout… Não à toa o Slow Living está tão em voga.
Podemos até questionar se esses movimentos são genuínos ou mais uma estratégia de marketing, mas eles estão em ascensão e muitos estão ganhando dinheiro com isso, já que estabelecem uma conexão com o público que está em busca de algo parecido.
Sim, as pessoas estão monetizando o que deveria ser normal. Falam mal das redes sociais, mas estão ali vendendo seus cursos que serão a solução para o seu vício em telas. É hilário, paradoxal, mas onde mais encontrarão o público alvo perfeito para esses produtos?
Teria muito mais a dizer sobre essa tendência, já que ela se relaciona a muitas outras (o fortalecimento das religiões tradicionais e da meditação, aumento da busca por meditação e espiritualidades esotéricas, volta da escrita manual e das fotos analógicas, a alta de todo o tipo de curadoria, do contato com a natureza e a tendência do camping e pesca…), mas vou encerrar por aqui com alguns palpites de tendências que estão emergindo por conta desse movimento de desconexão:
Apetrechos para desconectar, sejam eles físicos ou virtuais;
Perfis fechados com conteúdo exclusivo para poucos seguidores;
Lançamentos no “anonimato”, muitos vão investir em carreiras low profile ou mesmo totalmente offline;
Cursos mais íntimos (poucos alunos), ao vivo e ou presencial;
Consultorias em grupo;
Leveza e frugalismo;
Perfis com fotos, poemas e frases bonitas;
Slow living;
Clubes de leitura com encontros frequentes (onlines ou presencialmente);
Encontros presenciais de todos os tipos (e lugares que fomente esse tipo de encontro para pessoas de diferentes perfis);
Entretenimentos cultos (ópera, concertos, museus, aulas de pintura);
Publicação de conteúdos mais densos em livros e filmes.
Desde que retornei ao Instagram, somente uso para falar de Livros, Quadrinhos, Mangás, Arte e diversas Nerdices em geral. Muito raramente posto fotos minhas, a maioria do conteúdo que publico é das exposições que visito, meu foco é ter um espaço divulgador de Cultura, não me importando com Alcance ou Status. Fazendo assim, o que eu quero e desejo fazer em um meio que na maioria das vezes não preza pela profundidade, julgo ser o melhor modo de me manter em uma Rede Social. Fazendo assim, nem sinto necessidade de postar diariamente e salvo meus Stories com reflexões que publico para manter uma lógica intelectual pela qual prezo. Como curso Biblioteconomia e Informação é algo do qual não devo fugir, é impossível me desconectar da Internet porque preciso me informar sobre tudo que ocorre no planeta. Vejo a positividade cada vez maior das Redes Sociais por esse lado, o da Informação que move tudo na Terra; não que, para mim, o seu texto não traga algumas verdades sobre o lado nocivo da Hiperconectividade, mas a forma que encontrei para estar no Virtual agora é bastante equilibrada, sem pressa, afobação e estresse.
Opa! Já separei aqui pra ler.
Tenho apostado muito nessa tendência.